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O quarto branco

Capítulo 1

Dói-me o corpo. Abro os olhos e vejo o teto branco, tem uma rachadura quase invisível na pintura, que atravessa a laje de ponta a ponta, passa pela lâmpada que ilumina fracamente o ambiente. Levanto um pouco a cabeça, meu pescoço parece enrijecido, tombo-a contra o travesseiro. Esse pequeno esforço me deixou ofegante. Fecho os olhos, sinto lágrimas rolando por meu rosto. Tento levantar uma mão para secá-las, mas sinto uma resistência, como se estivesse amarrado à cama.

Que diabos estou fazendo nessa cama? Aliás, onde estou e desde quando estou nesse lugar que me é tão estranho? Muito devagar viro a cabeça para a direita e tudo que vejo é uma parede branca. A tinta parece nova, sinto cheiro dela, pois meu nariz quase encosta na parede. Tento mais uma vez mexer a mão, preso. Vou virando o rosto para a esquerda, muito lentamente, meus olhos ficam turvos, a lâmpada fraca está lá, chego ao outro lado e lá está outra parede, branca. Se estou em um quarto, deve ser muito estreito, pois quase encosto de novo meu nariz na parede.

Estes pequenos e lentos movimentos de cabeça para a esquerda e para a direita parecem ter sido feitos dezenas de vezes, porque me bate um cansaço enorme. Fecho os olhos, tento pensar, durmo.

Estou algemado, amarrado, preso em algum lugar branco. Até o piso é branco, a única porta é branca, sempre odiei o branco, me parece uma cor sem cor, sem vida, sem significado. Logo que puder vou eu mesmo pintar esse lugar de verde, acho uma cor simpática, viva e não agressiva. Acordo, procuro levantar apoiando os cotovelos, mas como as mãos estão presas, caio e caio de volta, até desistir. Estúpido, se você não consegue puxar os braços para se apoiar nos cotovelos, tente puxar o corpo para cima. Surpresa, as pernas estão soltas. Começo a movimentá-las, como se estivesse nadando de costas. Dobro as pernas, apoio os pés na cama e empurro o corpo para cima, numa tentativa de sentar.

Quando consigo sentar na cama, estou banhado em suor, tal foi o esforço, mas valeu. Estou coberto com um lençol branco fino, não consigo ver as amarras nos braços, mas sinto que elas são feitas de tecido, puxo, puxo, nada. Será que consigo tirar o lençol, bato as pernas, pego a ponta do lençol com o dedo grande do pé e puxo. A metade sai de cima de mim, e vejo as amarras no braço direito, feita de pano forte, diversas vezes enrolada no pulso. Não vejo nó, não tenho ideia como se mantém, talvez com esparadrapo, isso, vejo a ponta de esparadrapo largo, talvez uns cinco centímetros.

Com as pernas livres, chuto o lençol tantas vezes que ele acaba por resvalar de cima de mim e, droga, cai ao chão. Quem me amarrou é muito estúpido em deixar minhas pernas soltas, mas muito eficiente nas amarras nos pulsos. Penso em gritar, mas meu carcereiro não teria tanto trabalho para me amarrar para vir me soltar só porque acordei. Se ele vier certamente que vai me amarrar as pernas. Talvez eu consiga atrair alguém bondoso que me ajude a sair daqui, gente boa existe em todos os lugares. O risco de ser o contrário é real, e resolvo ficar quieto, para ver o que acontece. Nada acontece, o tempo passa, a luz se apaga. Quem a apagou? Olho ao redor, uma porta branca, sem maçaneta ou fechadura, sem interruptor de energia.

Aos pés da cama tem um espaço de pouco mais de meio metro, e nenhum móvel. Calculo que a peça deva ter pouco mais de metro de largura e dois metros e meio de comprimento. Nenhuma janela, cortina.

Só então me dou conta que estou nu. Nada de camisa, calça, cueca, nada, nada de relógio, corrente, nu, completamente nu. Fecho as pernas que estavam arreganhadas, bobagem, ninguém está me vendo. Quer dizer, quem me amarrou antes deve ter tirado toda minha roupa, assim, já me viu nu. De qualquer forma, esse não é o maior problema que tenho.

Puxo os braços para tentar soltar as amarras, mas que diabos, parece que quanto mais puxo mais apertado fica. Ou serão meus pulsos que, devido ao esforço, estão inchando. Desisto, fecho os olhos, cansado do esforço e de tentar entender o que aconteceu.

Não me parece que estou louco, pois consigo racionalizar a situação, apesar de não a entender. Olho meu corpo e não vejo nenhum ferimento, ao menos que esteja ao alcance de meus olhos, sinto o corpo cansado, mas não parece que esteja ferido.

Passada a agitação inicial e com o corpo em repouso começo a sentir frio. Idiota, a única cobertura que tinha consegui jogar ao chão, e lá está, eu olho para ela e ela para mim. Muito frio, frio. Fecho os olhos.

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João Marcos Adede y Castro

JOÃO MARCOS ADEDE Y CASTRO é graduado em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria, sendo Mestre em Integração Latino Americana, pela mesma Universidade.

 

É doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, pela Universidade del Museo Social Argentino, e doutorando em Direito Civil pela Universidade de Buenos Aires, ambas de Buenos Aires.  

 

Foi Promotor de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul por quase 30  anos, tendo exercido as atribuições de Promotor de Justiça Especializada de Defesa Comunitária, com atuação preponderante nas áreas de defesa do meio ambiente, interesses sociais e coletivos e improbidade administrativa. É Professor Universitário.

 

 É membro e  foi Presidente da Academia Santa-Mariense de Letras, ocupando a cadeira número 16, cujo patrono é o escritor e jurista  Darcy Azambuja. É advogado em Santa Maria, RS.

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