COMO TRANSFORMAR UM ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA EM UMA EMPRESA SÉRIA
Não sou um especialista, de forma que as dicas a seguir são resultado da experiência prática, de erros e acertos cometidos ao longo do tempo.
Por evidente que outras dicas podem ser acrescentadas e algumas modificadas e até excluídas.
Mas, com todos os méritos e riscos, vamos lá.
PREPARE-SE PARA ADMINISTRAR SEU ESCRITÓRIO AINDA NA FACULDADE: Não conheço nenhuma faculdade de Direito que se preocupe com o assunto. A literatura a respeito de administração de escritórios de advocacia é quase zero. Talvez os advogados achem que, como “sabem tudo” de Direito também sabem tudo de administração e aí resida a causa de tanto escritório fechado ou andando muito mal. Mas, você que deseja sinceramente ser em empreendedor na área jurídica, deve estar à frente dos demais e pensar nisso, com seriedade.
ORGANIZE SEU ESCRITÓRIO COMO UMA EMPRESA: Ou você organiza seu escritório como uma empresa ou estará fadado a ser sempre um nada. Daí, comece com cursos de qualificação, palestras e encontros com técnicos do Sebrae e outros órgãos sérios que estejam tecnicamente preparados para passar informações valiosíssimas acerca de que, ao prestar um serviço com natureza econômica, você é uma empresa, e como tal deve gerir o seu negócio.
ADMINISTRE PROFISSIONALMENTE SEU ESCRITÓRIO: Entregue as tarefas típicas de administração, tais como procurações, contratos, emissão de boletos ou recebimento de valores através de cartão de crédito, emissão de notas fiscais e recibos, relações com bancos, cobranças de clientes, pagamentos de despesas, controle de agenda, notas de expediente, etc., a uma pessoa experiente na área, de confiança e que preste contas permanentemente aos sócios. O ideal é contar com um administrador profissional ou, na pior das hipóteses, com um advogado sócio que possua experiência séria e responsável de administração de bens, serviços, valores e pessoas.
MANTENHA CONTA-CORRENTE SEPARADA: Abra uma conta bancária corrente para as despesas diárias e recebimentos diversos, separada da conta bancária particular dos sócios, com controle rígido de retiradas, proibindo-se qualquer movimento para atendimento de interesses particulares dos sócios. Mantenha no escritório apenas o essencial para pequenas despesas diárias e não aceite como natural retiradas sem controle e sem devolução.
MANTENHA UM FUNDO DE RESERVA: Mantenha uma conta bancária (pode ser poupança) que pode ser chamada “fundo de reserva” para investimentos e despesas extraordinárias, vigiada para crescer mais nos meses ruins e servir de apoio financeiro. Não precisa ser uma fortuna, mas dá à empresa tranquilidade para os maus momentos, que eles existem, assim como em qualquer outra atividade econômica. Sugiro não menos de cinco por cento do resultado líquido nos meses bons e dez por cento nos meses ruins.
CONTROLE ELETRONICAMENTE CLIENTES E PROCESSOS: O controle dos clientes, processos, intimações, prazos, pagamentos e recebimentos não deve ser feito apenas manualmente, ou seja, aquele sistema ultrapassado em que cada cliente tem uma pasta física e ali guardadas as petições e anotados os pagamentos. Assine um sistema digital de gestão de clientes, pagamentos e processos, que centralize para todos os sócios as informações necessárias ao bom andamento dos processos, além de gestão financeira e fluxo de caixa.
DISTRIBUA IGUALITARIAMENTE OS LUCROS: A distribuição de lucros em percentuais diferentes, conforme maior seja a experiência do sócio parece justa, mas emperra o crescimento do interesse dos mais jovens, que veem no sistema uma eternização da inferioridade de ganhos. Os mais experientes, mesmo recebendo o mesmo percentual, tem mais responsabilidade que os menos experientes. Num movimento que reconhecemos difícil para os mais experientes, ajuste os percentuais em índices iguais para todos, e você verá aumentar a dedicação dos menos experientes e, em consequência, o resultado financeiro para todos. Ou seja, a perda inicial dos mais experientes transforma-se em ganho real para todos, no médio prazo.
NÃO CONFUNDA A EMPRESA COM A FAMÍLIA: No caso de todos os sócios serem da família, lute diariamente para separar problemas da empresa dos problemas familiares. Fale o tempo todo que não haverá crescimento pessoal se os sócios descuidarem do crescimento da empresa. Exijam uns dos outros, comprometimento com a qualidade do atendimento aos clientes e com o resultado do trabalho, lembrando sempre que a relação pessoal não é indiferente, mas não pode determinar o comportamento do sócio em relação à empresa. Mesmo que todos sejam sócios, e até mesmo em razão disso, exijam um dos outros que haja cumprimento de horário, respeito mútuo, comunicação eficiente e consciência que o problema de um é o problema de todos.
REALIZE REUNIÕES PRODUTIVAS: Realize reuniões quinzenais ou mensais, em que se discuta ideias de crescimento, melhorias nas instalações, brigas em benefício da empresa, cobrança de resultados, exame de processos em andamento e busca de eventuais equívocos na condução dos mesmos. Não transforme as reuniões em um tribunal de acusações mútuas, mas em um espaço respeitoso de identificação de problemas e busca honesta de soluções. Se você quer concorrentes em vez de sócios, saia da sociedade e abra outro escritório.
ENCARE O ESCRITÓRIO COMO UM NEGÓCIO: Mesmo que a ideia seja defender direitos dos clientes e fazer Justiça, o mote da empresa é obter lucros lícitos, de forma que você deve pensar o tempo todo na relação custo benefício de um processo antes de envolver-se nele. Não há impedimento que você assuma serviços gratuitos, mas isso deve ser muito limitado. Afinal, a empresa não é uma instituição de caridade. Não tenha vergonha de ganhar dinheiro licitamente.
APROVEITE AS RELAÇÕES DE FAMÍLIA EM BENEFÍCIO DA EMPRESA: Um negócio de família pode ser vítima exatamente do fato de ser família, mas esse pode ser um diferencial positivo. As desavenças devem ser resultado de interesse honesto e sincero de crescimento de todos, de forma que não há impedimento de discussões profissionais num momento seguidos de pedidos honestos de desculpas pelos excessos, que podem ser temperados com beijos e abraços, exatamente porque vocês se amam e se respeitam. O interesse de um deve ser o interesse de outro.
DIVIDA TAREFAS E CONTROLE SUA EXECUÇÃO: A divisão exata e controlada das tarefas entre os advogados do escritório é uma necessidade absoluta, pois onde todo mundo cuida, ninguém cuida. Quem assume determinada tarefa deve estar disposto a ser cobrado e prestar contas. Dê a cada um a tarefa para a qual ele está preparado e sinta prazer em executá-la. Eventualmente, fazemos o que não gostamos, mas isso não pode ser uma realidade permanente.
TRATE OS AUXILIARES COM RESPEITO: Trate os auxiliares de maneira respeitosa, integrando-o nas decisões jurídicas, convidando-os a participar de encontros com o cliente e audiências judiciais, para que se sinta parte da empresa. Pense que o crescimento da empresa também depende deles, mesmo que sejam temporários. O bom auxiliar de hoje, como os estagiários, pode ser o sócio de amanhã.
NÃO PERCA PRAZOS PROCESSUAIS, NUNCA: O processo é uma sequência de passos, todos orientados por prazos legais que não podem ser perdidos, sob hipótese alguma. O processo é, ainda, um conjunto de possibilidades, nunca uma certeza, de forma que é aceitável, mesmo que não desejável, a perda da causa. Perder prazo para manifestação ou recurso é puro relaxamento, desorganização ou desinteresse, e isso é inaceitável.
NUNCA PROMETA RESULTADOS: Prometer resultados ao cliente não está entre as formas honestas de advogar. É preferível perder um cliente do que conquistá-lo com promessas que talvez não tenhamos condições de cumprir no futuro. Prometa trabalhar duro na busca de um resultado, lembrando que o campo em que se ganha é o mesmo em que se perde. O contrato de honorários é um contrato de meios, não de resultados.
FAÇA CONTRATOS DE HONORÁRIOS SEMPRE POR ESCRITO: Não importa a relação de amizade que você tenha com seu cliente, faça sempre contrato de honorários por escrito. Ao longo do processo podem surgir pontos de atritos entre seu cliente e você e isso importar, inclusive, em quebra da relação de prestação de serviços. Contrato escrito é direito do cliente e garantia para você e para ele, além de ser um título executivo para discussão em juízo.
FIXE HONORÁRIOS REALISTAS: Lembre-se que um processo é, quase sempre, um evento de longa duração, de forma que os honorários devem ser justos para ambas as partes. A possibilidade de perder o cliente para outro profissional não deve assustá-lo, porque sua fama de advogado barato corre muito mais rápido do que a sua fama de bom advogado. Assim, cobre honorários justos e não comece um serviço sem o adiantamento de pelo menos cinquenta por cento do valor.
NÃO PARE DE AVANÇAR: Uma empresa não é apenas uma ideia, um desejo, uma vontade, mas muito trabalho, dedicação e organização. A modernização dos métodos de trabalho, de forma a se obter o melhor resultado com o menor custo financeiro e de tempo é primordial. Assim, tenha equipamentos modernos e funcionais, gaste mais em ferramentas de trabalho e menos em ostentação de instalações, sem prejuízo delas serem limpas, arejadas e aconchegantes.
RECEBA SEUS CLIENTES COM CARINHO: Não importa quanto o cliente paga, ou até quando não paga, todos devem ser tratados com a mesma atenção e carinho. Dirija-se a ele sempre pelo nome. Levante e saia de trás de sua mesa, aperte sua mão, ofereça-lhe água e café e convide-o, gentilmente, a sentar. Ouça-o sem pressa, ofereça-lhe a opção de solução menos estressante, mais rápida e mais barata. Ele não está, como você, interessado no processo, mas na solução do problema. O processo é uma opção, mas não pode ser a única. Na saída, acompanhe-o pessoalmente até a porta, abra-a e deseje-lhe boa semana.
NUNCA SONEGUE INFORMAÇÕES ACERCA DO PROCESSO: Nunca imagine que não adianta informar o cliente porque ele não vai entender. Ele sabe reconhecer seu esforço honesto em explicar quantas vezes for necessário um sistema jurídico confuso como o nosso e ficará agradecido. Mantenha-o permanentemente informado sobre o andamento do processo por telefonemas, e-mails, Watsapp, Facebook, pessoalmente, por carta. Não esconda os maus resultados, sempre chamando a atenção que perder um processo ou ter negado um pedido faz parte do jogo processual. O que não faz parte do jogo processual é mentir ou omitir os riscos do processo.
ASSUMA SEUS ERROS: Todos gostam de comemorar suas vitórias, mas às vezes é necessário encarar os erros cometidos e admiti-los ao cliente, como forma de purgar o pecado. Não se considere infalível, use seus erros e falhas como instrumento para consertos e construção de uma carreira honesta. Chorar um pouco, de vez em quando, ajuda a limpar os canais lacrimais e nos engrandece como pessoas, que é o que somos antes de ser profissionais.
CONCLUSÃO: Não sei se você vai ficar rico seguindo esses conselhos, mas tenho certeza que seu escritório e você serão respeitados. Parece pouco, mas nesse mundo de enganadores em que vivemos, é tudo.
Por outro lado, se você cair, conservará sua honra e sua dignidade, pois caiu lutando.