Meu zeloso guardador
CAPÍTULO V
Na sala de audiência, as luzes foram diminuídas, para permitir o descanso do réu e para reduzir a visão que a imprensa e as pessoas que se acumulavam, agora em menor número, podiam ter do palco dos acontecimentos, apesar das cortinas fechadas.
Acompanhava o réu apenas um servidor, muito assustado porque tivera a impressão, não confirmada porque não tivera coragem de pedir licença para fazer uma revista corporal, de que havia uma faca em sua meia, por debaixo da calça.
Mas, o centro de toda a confusão estava absolutamente tranquilo. Não dizia nada, não fazia nenhuma exigência. Sentado na cadeira que lhe fora destinada no início da audiência, não se levantara nem para ir ao banheiro. O servidor estava curioso para saber o que aconteceria quando ele pedisse isto.
Nada de comida.
Nada de bebida.
Olhos baixos. Silêncio opressivo. Para forçar a saída do réu o juiz determinara o desligamento do condicionador de ar. Apesar de já ser quase meia noite, estava quente. O réu parecia não se importar com o calor.
O funcionário pensou que seria uma boa ideia abrir a porta, mas a presença da imprensa no corredor o impedia. Com muito tato o juiz conseguira que os repórteres saíssem da sala, mas sob a promessa solene que poderiam ficar no corredor e quando houvesse qualquer novidade, serem avisados. Por ora, a única notícia é que não havia notícia, ao menos recente. Tudo estava como antes, ou seja, um impasse.
O réu fecha os olhos. Para o servidor pareceu que dormia, mas ele começou a falar em voz muito baixa, apenas movendo os lábios.
...do Senhor...guardador, que a mim...
Santo Anjo..............amém.
Sinal da cruz na fronte. Estava rezando!
O servidor, apesar da seriedade da situação, não deixar de pensar que o réu, depois desta confusão, ia precisar rezar muito para escapar da cadeia. Afinal, o juiz o mandara sair e ele desobedeceu à ordem. Que belo processo crime, quem seria o louco que aceitaria defendê-lo?
Só um advogado mais louco do que ele.
Santo Anjo do Senhor, meu zelo guardador.
Eu fui um zeloso guardador. Por que acham que eu fui negligente?
A cabeça balançava, como se seu dono desejasse espantar maus pensamentos. Visivelmente sofria. Olhos vermelhos, mas nenhuma lágrima, por ora.
O homem que sofria abaixou-se, como se fora arrumar as meias e de lá tirou um objeto parecido com uma faca. O servidor gelou. O réu colocou o objeto sobre as pernas, mas meio escondido pelo casado. A luz de um carro que passava iluminou rapidamente a sala. Era uma faca.
Nós três podíamos ter sido mais felizes. Sei que errei, mas não por não amar vocês.
O servidor não sabia como agir. Não podia sair da sala para avisar o escrivão ou o juiz. E, apesar da faca, o homem estava calmo.
Antes que pudesse decidir o que fazer, a porta abriu. O escrivão e a ex-mulher do réu entraram.
Meia noite.
Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador, se a ti me confiou...